“Ainda vão me matar numa rua.
Quando descobrirem,
principalmente,
que faço parte dessa gente
que pensa que a rua
é a parte principal da cidade.” – Leminski
Esperar o ônibus, muitas vezes, é sinônimo de estresse e chateação. Além de longas esperas, as paradas de ônibus, assim como muitos outros espaços públicos das cidades, são lugares abandonados e depreciados pelo Estado. Mas são nos espaços públicos que muito da vida acontece, com pessoas, passeando, conversando, namorando ou apenas transitando. São locais que devem ser estimados e humanizados, pois são grande parte do nosso dia-a-dia e, inevitavelmente, interferem no modo como levamos a vida.
Agora imagine, enquanto se espera o ônibus, poder ter contato com grandes obras culturais, e ainda mais, poder levar essas obras para casa, sem ter que pedir ou avisar a ninguém. Essa é uma, de muitas outras propostas de Luiz Amorim, proprietário do Açougue Cultural T-Bone, em Brasília.
Luiz é de Salvador, mas veio para Brasília cedo, aos 7 anos de idade. De família humilde, Amorim, ainda criança, logo começou a trabalhar, passando por ofícios como engraxate e auxiliar de pedreiro. Aos 12 anos, foi contratado como ajudante em um açougue. 14 anos mais tarde, com algumas economias acumuladas em seus anos de trabalho, adquiriu e se tornou o proprietário do espaço.
Mas Luiz não passou a ter apenas um açougue, o lugar poderia ser muito mais e foi muito além, pois Amorim tinha também muitas idéias, que poderiam transformar a cidade e a vida das pessoas. Então, inicialmente, além de cortes de carne, passaram a ser oferecidos livros em seu açougue, em uma pequena prateleira. A idéia era simples: qualquer um poderia pegar qualquer livro na prateleira e devolver quando quisesse, sem nenhuma burocracia, com total confiança nas pessoas.
E a idéia simples, mas revolucionária, logo fez sucesso. Então, o projeto se expandiu, e tomou as paradas de ônibus da Asa Norte, região de Brasília:
“Eu moro na Asa Norte, sempre usei e sou usuário do transporte coletivo, e as paradas de ônibus são espaços depreciados pelo poder público, muito abandonados. Então a idéia de colocar livro é pra se discutir questão de cidadania, questão de acesso, dar acesso a um bem de arte mais fácil às pessoas.”
A idéia do acesso e incentivo à leitura surgiu também a partir da própria história de vida de Luiz, que aprendeu a ler apenas aos 16 anos, mas logo se tornou um leitor voraz, e um grande apreciador da arte e cultura. Hoje, o projeto, intitulado Biblioteca Popular, recebe sempre muitas doações de livros, e está em cerca de 40 paradas de ônibus, com milhares de livros alocados e emprestados diariamente. E também conta com as Estações Digitais, que além de bibliotecas, também são espaços com computadores e acesso à internet, sendo ambientes de inclusão cultural e digital.
Amorim conta que o sucesso do projeto vai muito além da quantidade de livros, pois há histórias de pessoas que passaram em vestibulares e concursos a partir dos livros das Bibliotecas Populares, e também agradecimentos de quem teve acesso e se encantou com alguma obra disponibilizada nas estantes das paradas.
E a proposta de ocupação cultural dos espaços públicos de Luiz não se limita às paradas de ônibus. Duas vezes ao ano acontecem as Noites Culturais, onde a rua comercial da 312 Norte, quadra onde está situado o seu açougue, é fechada e se transforma em palco para grandes shows gratuitos, contando com nomes como Zé Ramalho, Chico César, Lenine, Milton Nascimento, Ivan Lins e muitos outros. E durante o ano, o seu açougue também recebe diversos outros eventos, como bienais de literatura, saraus, palestras e lançamentos de livros.
(Show de Chico César na Noite Cultural)
Para a realização de projetos maiores, Luiz vai atrás de patrocínios, mas diz que não é fácil conseguir. A burocracia dificulta muito o acesso aos recursos públicos, além de haver muitos outros entraves que atrapalham muito a realização dos projetos culturais. Mas Amorim conta que sempre insiste o máximo que pode, já tendo realizado até manifestações na porta da Secretaria de Cultura do DF.
“E eu preciso de autorização pra colocar Milton Nascimento na rua? A rua é dele, a rua é do povo.”
Os projetos do Açougue Cultural T-Bone são grandes exemplos de humanização e transformação sociocultural de uma cidade. Iniciativas simples, como estantes em paradas de ônibus, tem o poder de modificar realidades e tornar as cidades mais ricas e cheias de vida. Os projetos de Luiz não são apenas sociais, mas também uma maneira de difundir a cultura, são arte, como ele mesmo enuncia:
“O meu trabalho é um trabalho de arte, o que eu faço é arte. A arte não é só quando você pinta um quadro, quando faz uma composição ou escreve um livro. Para os gregos, na teoria grega, o que eu faço também é arte, tudo que você faz que leve o ser humano a uma reflexão, é arte.”
Para conhecer mais a obra de Luiz Amorim, acesse:
e assista:
http://www.ebc.com.br/infantil/para-educadores/2012/08/conheca-o-acougue-cultural-de-brasilia
Luiz também já ajudou a lançar a Missão #2 do Imagina na Copa:
http://www.youtube.com/watch?v=dcwKh_Ztjak
Este texto foi escrito por: Davi Mello | Capitão do Imagina na Copa em Brasília – DF | Um eterno aprendiz. Não gosta de clichês, mas acredita num mundo melhor.